Isaura já nem se lembrava do velho baú que guardara no fundo do quartinho dos arrumos misturado com utensílios domésticos que foram ficando fora de uso, mas de que nunca tivera coragem de se desfazer. Quando finalmente encontrou alento para se livrar desses gastos companheiros de uma longa vida de trabalho deparou-se com esse tesouro de instantâneos do seu passado e foi quase tremendo de inesperada emoção que o poupou ao mesmo destino dos antigos aspiradores, da enferrujada máquina de café e das varinhas mágicas que há muito haviam perdido o seu condão.
Como se arrastasse com ela todo o peso do seu passado carregou a caixa até à salinha de estar hesitando em abri-la. Mas, porque não, lá disse para consigo, esta não é nenhuma caixa de Pandora e muito menos uma caixinha de surpresas! Mas não era realmente a curiosidade que a impelia para o fecho da malinha guardadora de segredos da juventude, mas uma saudade repentina que dela se apoderou ao mesmo que todos os seus sentidos entraram em sistema de alerta, um calor estranho nas mãos e a subir-lhe pelos braços que a arrepiava toda e até lhe eriçava os cabelos encanecidos.
Levantou a tampa daquela descurada arca de memórias e como que atraída por um imane arrojou avidamente as mãos sobre as pilhas de envelopes e fotografias ali amontoadas, levantando uma nuvem de pó que voluptuosamente ondeou, adensou e foi ganhando forma para espanto e autêntico pânico de Isaura que se sentiu paralisada, e logo envolvida, abraçada, docemente subjugada. Os seus olhos revirados não viam escapatória e logo pressentiu como uma fatalidade, uma promessa esquecida que voltava para se realizar e a que inconscientemente não queria escapar.
Não soube quanto tempo ficou assim, inerte, meia descomposta sobre o divã, onde foi encontrada por uma vizinha sua companheira de conversa de todas as horas do dia, estranhando a sua ausência à varandinha fronteira da sua casa, de tanto chamar e gritar lhe entrou pela casa dentro. Isaura não se lembrava de nada, fora um simples desmaio, a água fizera-lhe bem, muito obrigada vizinha, era tudo do cansaço de tanta lida, livrando-se de velharias e limpando a dispensa.
A vizinha olhou preocupada para aquela caixa de cartão no meio da sala. Não pode exagerar D. Isaura, deixe que eu lhe levo estes papeis velhos para o lixo, olhe que é muito peso para a sua idade. Não, não, vizinha, nem pensar, eu posso muito bem com ele, pode crer! Acompanho-a à porta e mais uma vez muito obrigada pela sua ajuda. Tem a certeza de que fica bem? Olhe vizinha, nunca me senti tão bem na minha vida! A sério? - estranhou a vizinha que não compreendia aquele comportamento tão pouco usual nem como fora possível uma tão rápida recuperação. Isaura sorriu e a vizinha achou que a alteração de semblante era sinal de que tudo i a voltar ao normal. Nesse aspecto enganava-se completamente: para lá da porta fechada, a vida de Isaura nunca mais voltou ao normal.
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