Não passava um dia sem que D. Ximinha não chorasse lágrimas de saudade pelo filho que partira para Luanda perseguindo sonhos que não cabiam na velha povoação às margens do Kwanza. Foi pelo rio que chegou Manuel, o comerciante que se prendeu pelos encantos de Ximinha, até um dia se meter numa caravana que ia explorar o sertão e nunca mais voltar. O João, nascido desse amor perdido, tornou-se a razão de ser da sua existência de quitandeira de peixe única fonte do sustento dos dois. No Dondo todos a conheciam e lhe falavam quando passava pelas ruas frondosas a anunciar o seu peixe fresco.
- Então Ximinha, teve notícias do Joãozinho?
Era a pergunta mais frequente a que ela sempre respondia com tristeza. No fundo do coração amaldiçoava o comboio, que podia trazer a civilização e riqueza, mas apartara dela o tesouro da sua vida. Antes da partida de Cassoalala, prometeu que lhe escreveria da capital e daria notícias do pai que acreditava ali viveria rico num casarão por cima de um próspero negócio. Os anos passaram e sem notícias do João Ximinha continuava a trabalhar para não enlouquecer. Um dia conheceu o jovem Coimbra que sabia escrever como ninguém. Embora dirigido a um endereço duvidoso ele foi desenvolvendo uma correspondência de sentido único para o saudoso ausente de D. Ximinha. Na sua fina e floreada caligrafia lá foi descrevendo os sentimentos daquela “pietá” ebânea desapossada do filho que ansiava ter nos braços. Começou então a germinar na sua mente o secreto desejo de preencher o imenso vazio entre aqueles braços. Uma lágrima de Ximinha borrou a letra esmerada de Coimbra que logo se dispôs a refazer a escrita, mas Ximinha implorou que fosse mesmo assim, já que não sabia escrever. As lágrimas de Ximinha competindo com a letra de Coimbra acabaram por gerar uma ideia generosa.
Um belo dia irrompeu por aquela rua frondosa um rapazinho esbaforido agitando uma carta para D. Ximinha. O alvissareiro espelhava no rosto a sua alegria.
- Vai chamar o Coimbra rapaz, diz-lhe que venha sem demora. Ó meu Deus, até que enfim!
Coimbra veio correndo e pouco depois, sentados debaixo da mulembeira do quintal, foi desfiando o rio de aventuras e felicidades do Joãozinho desde que abalara para a longínqua capital. Não tinha encontrado o pai, mas em compensação tinha conhecido a mulher da sua vida que já lhe dera cinco filhos! Embora os netos nunca a tivessem visto todos os dias a recordavam tal como ela ficara na sua memória, gravada no apeadeiro de Cassoalala. A vida tinha-os separado, mas sempre estariam juntos no seu coração de filho muito grato. Infelizmente a vida de trabalho para sustentar a família já tão numerosa não lhe dava um dia de descanso para poder viajar até ao Dondo. Ximinha batia palmas e lançava risos de alegria enquanto a leitura era repetida mais uma vez até que por fim, vencida por tão improvável felicidade, sem mais lágrimas para verter sobre aquela escrita fina e floreada, estendeu os braços para Coimbra acolhendo-o no seu regaço.
Lindoooooo!!!!
Lindo conto! É mais interessante ainda porque fala do meu "berço", terra que me viu nascer, Dondo. Uma das cidades mais antigas de Angola, mesmo sendo, actualmente, somente a sede do município de Cambambe. Quiçá, com a proposta embrionária e ambiciosa da nova divisão política administrativa do país, o Dondo ascenda à município.
Grato pelo conto, Dr. Onofre dos Santos.